Relato mais real que a minha própria existência
Esses dias quando voltava para a
casa, tive a oportunidade de observar uma conversa entre um homem mudo e
algumas pessoas no terminal de ônibus da cidade vizinha. E quando falo em
conversa, não me refiro ao uso de libras (já que ele era mudo). Não. Era apenas uma interação com gestos não muito
elaborados, coisa de improviso mesmo, entre o motorista e o cobrador do ônibus
que àquela hora da noite já deveriam estar exaustos pelo trabalho e sufocados
pela rotina, mas que mesmo assim estavam usando de seu intervalo para dar
atenção e tentar compreender ao menos um pouco aquele homem já tão
incompreendido e negligenciado por tantos pelo fato de ser mudo. Os gestos eram
inventados ali mesmo, no mais puro improviso.
Todas as pessoas com suas vidas,
seus problemas e seus cansaços... Quem teria tempo para falar com alguém que
nem fala?
Da janela do ônibus fiquei
maravilhado com a atitude do cobrador e do motorista e então passei a observar
os três.
Numa troca de gestos entre eles,
pude saber que o homem mudo havia saído de casa naquela hora apenas para
comprar a tinta para cabelos que ele mostrava na sacola. Os funcionários da
empresa de transporte sinalizavam apontando para o relógio. Já era bem tarde para alguém estar comprando
tinta.
Era para a esposa, e com uma
pitada de humor, creio que um dos melhores acessórios para amenizar os impactos
da vida, ele sinalizou que a sua mulher o mataria e arrancaria até os dentes
caso aquela tintura não chegasse em casa.
"Não. Minha baixinha é muito
brava", ele gesticulava para o motorista que brincava com sua sacola. E
após o motorista sugerir que ele deixasse a mulher, já que era brava, ele
ergueu o braço como se gritasse: NUNCA!
Com a cabeça negando várias vezes
ele gesticulava.
"Não troco por nada nesse mundo
Não não não.
Minha!"
Naquele momento eu pude entender.
O sentimento sempre estará além das palavras, da linguagem oral... Quando há
amor, palavras tornam-se desnecessárias.
Mais vale um simples gesto que
várias palavras vazias.
Aquele homem que eu nunca havia visto
na vida, sem saber, arrancou um sorriso do meu rosto cansado e me fez enxergar
além.
Aquele homem que não conseguia
falar e talvez nem escutar, levava o peso daquela ausência consigo, mas ainda
assim era grato pelo que tinha. Pela sua baixinha.
O motorista e o cobrador então se
despediram e entraram no ônibus enquanto aquele simples homem seguiu com um
sorriso no rosto e com sua sacola balançando de um lado para o outro até sumir
na escuridão da rua. E eu, bem, encostei a cabeça na janela e absorvi toda a
poesia da cena que acabara de presenciar enquanto fitava a lua cheia através da
verdadeira fábrica de reflexões que é uma janela de ônibus.
A linguagem do amor não necessita
de palavras... Pensei.
Poeta Sonhador das Estrelas
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