Para além dos delírios

Estava voltando de ônibus para casa quando em certa parada subiu uma senhora para a qual cedi o lugar em que estava sentado. Ela agradeceu, sentou-se e logo começou a conversar com a outra senhora que estava na cadeira ao lado. Pela atitude supus que já se conhecessem. Fique parado de pé ali mesmo, próximo de onde há poucos minutos estava sentado. Estava prestes a pôr os fones de ouvido e me desligar do mundo, mas por alguma razão que até agora desconheço, não o fiz, e com isso pude escutar o que elas conversavam.
-Eu estou morando sozinha... Já faz um tempo... E tu?- A velhinha para a qual cedi o lugar perguntava com uma voz mansa para a outra.
-Mulher, estou morando com a minha filha, mas é como se estivesse morado sozinha- Respondeu a outra. A essa altura eu já havia esquecido os fones e passara a prestar atenção no diálogo, não por curiosidade, mas algo que não consigo explicar me instigava àquilo.
-Mas por quê?- Tentei não demonstrar tanto interesse e comecei a vagar com o olhar por outras direções do ônibus não tão lotado.
-É que ela sai de manhã bem cedinho para trabalhar e só volta à noite. Mal consigo falar com ela, só por telefone mesmo- A resposta fez com que meus olhos retornassem a elas.
-Ah...- A senhora para a qual cedi o lugar olhava fixamente para mim e notei que seus olhos eram de um verde intenso. Desviei o olhar para a janela, mas continuei atento.
-Mas é bom ser assim não é?... Sozinha- Aquelas palavras saíram de forma tão vaga e pesarosa- Dá para a gente fazer nossas coisas, um crochê... – Ela tentava justificar quando a senhora de olhos verde falou. Não estava olhando para elas, mas já decorara o timbre de voz.
-Não. Não é bom ser sozinha... E muito pior sentir-se sozinha. Só que a vida é assim. Com o tempo a gente se acostuma - Pude sentir seu olhar pesar sobre mim enquanto eu fitava o chão absorvendo aquelas palavras- Olha, sua filha deve acordar às 5:00 da manhã todos os dias, não é por que gosta, mas porque precisa. E ela já se acostumou com isso, ou vai se acostumar em algum momento, mas isso porque ela precisa trabalhar. Acontece o mesmo com nós. Acostumamo-nos com a solidão porque precisamos seguir com a vida, mas não é algo bom. Assim fica apenas mais suportável, não bom.
-É... Acho que não é bom mesmo...- Assim como eu, a outra senhora ficou pensando naquilo que acabara de ouvir. Fechei os olhos por um momento para que minha solidão não transbordasse em público. Quando levantei o rosto vi que a senhora de olhos verdes olhava para mim.
-A gente se acostuma apenas para seguir - vi um triste sorriso ser esboçado em seu rosto. Acenei com a cabeça num agradecimento ou concordância para ela e assim que o ônibus parou, sai. Já estava três paradas à frente da minha.

Poeta Sonhador das Estrelas 

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