Crepúsculo Matutino
Em dezembro eu e a minha família
estávamos na estrada quando um caminhão bateu fortemente em nosso carro. Foi
tudo muito rápido. Um clarão, um estampido e logo tudo se apagou. Acordei um
mês depois e o choque de realidade me fez desejar voltar ao coma. Entrei em
crise. Mas eis uma grande verdade: ninguém se importa.
Estou aqui há cerca de dois meses.
Internado nesta adorável clínica, em um pequeno quarto cujas paredes são
decoradas por mofo, com uma pequena janela na lateral pela qual sempre gosto de
assistir ao nascer do sol e conversar com a lua, além de uma cama desprovida de lençóis
e travesseiros a fim de evitar quaisquer eventualidades ou uma fatalidade. O que
acho engraçado, pois acredito que não haverá fatalidade maior que esta em que
se encontro. Insanos. Há dois meses perdi não só a minha família, mas a mim
mesmo. Mas, quem se importaria?! Na alternância entre momentos lúcidos e não
tão lúcidos de cada dia, já não recordo quem sou. Se é que posso dizer que
esses resquícios que sobraram das sobras daquilo que um dia fui ainda são algo.
Tento conversar com as paredes, mas até elas me ignoram, então me ponho a andar
pelo quarto vazio (não mais que minha alma). Sinto-me enclausurado dentro do
meu próprio ser, e com a respiração ofegante sinto aos poucos transbordar, então
transbordo sem parar.
Sento no chão com as costas apoiadas
na parede e abraçando minhas pernas coladas ao corpo que treme sem parar e
sinto o amargo que escorre dos meus olhos tocar meus lábios. O transbordar de
vazios logo encharca todo o meu ser e os soluços surgem na tentativa de abafar
o barulho dentro de mim. E eu transbordo, porque é a única coisa que consigo
fazer no momento. A única coisa que quero fazer. Transbordar é a única maneira
de não me afogar em meio a toda essa enchente represada dentro de mim, mas
percebo que já me afoguei há muito tempo atrás. Nesse instante uma antiga ideia ressurge.
É chegada a hora de me libertar. Levanto, sigo em direção à janela e encontro o
que havia escondido há algum tempo.
Percebendo
que o dia está prestes a amanhecer, me apresso. Quero nascer junto com o sol.
Em plena lucidez, se é que existe uma lucidez completamente plena, pego a
lâmina. Nenhuma dor pode ser maior que essa que em meu peito habita e em minha
mente ecoa, mas a quem isso importa? Então o faço. O doce sangue que escorre
das minhas veias une-se às amargas lágrimas do chão e, gradativamente podia
sentir a minha existência se esvaindo como um fio de fumaça em meio à
escuridão. Como um crepúsculo matutino, partia junto com a noite, nascia junto
com o sol. Os primeiros raios de sol entravam pela pequena janela do quarto.
Enfim o escuro cedia lugar à luz e junto com a aurora sentia chegar a minha
liberdade. Então fecho os olhos e espero por ela.
Uma
última lágrima e um esboço de sorriso.
Finalmente
voltava para casa.
Poeta Sonhador das Estrelas
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